Por Evanius Wiermann
A Fosfoetanolamina
sintética, assim como várias outras substâncias ao longo das últimas décadas,
veio com uma promessa de cura para pacientes com câncer. Porém, uma nova
“molécula promissora” aparece todo dia no mercado e, de cada mil dessas, apenas
uma chega a se tornar um medicamento registrado. As demais são rejeitadas não
só por serem ineficazes, mas também por serem tóxicas. Todo esse ritual de
avaliação se estende desde fases pré-clínicas – em que se estudam as drogas em
placas de células ou animais em laboratórios –, seguindo até as fases clínicas
mais avançadas – testes em humanos – em que se estabelecem os parâmetros para a
comercialização da droga. Esses testes são baseados em estudos científicos com
esquemas rigorosos para assegurar que o processo tenha mínimas falhas,
garantindo uma segurança satisfatória àquele que usa a medicação.
O que está
acontecendo é uma perversão de todo este sistema. Políticos, por meio de um
Projeto de Lei (PL), autorizaram que uma substância que não passou por todo
este processo possa ser administrada, desde que receitada por um médico e que o
paciente assine um termo de consentimento, assumindo o risco desta
experimentação. A temeridade disto gera uma série de vieses, a começar pelo
próprio Conselho Federal de Medicina e incluindo várias entidades médicas que
já se postaram contra a prescrição desta droga, o que gera divergências e
coloca a relação médico-paciente em risco.
Não nos esqueçamos
que drogas como a Talidomida, um medicamento para alívio de náuseas na
gestação, foi responsável por uma geração de fetos que nasceram com
deformidades devido ao pouco estudo do uso nessa população especial. Para
piorar a situação, estudos preliminares conduzidos pelo Ministério de Ciência,
Tecnologia e Inovação demonstraram baixíssima atividade antitumoral da
Fosfoetanolamina, fazendo com que a ANVISA solicite veto desta PL pelo
Executivo.
A prática de
experimentação de drogas ainda não aprovadas já acontece em outros lugares,
como o “Right-to-try”, em alguns distritos nos Estados Unidos, que
desde 2014 permite que pacientes em fases terminais possam ter acesso a drogas
que passaram por estudos clínicos de fase I, ou seja, a avaliação em humanos
que definem a dose de segurança e eficácia do remédio. Isso não aconteceu ainda
com a Fosfoetanolamina, ou seja, não se tem a menor ideia se a dose que as
pessoas estão recebendo hoje é a adequada, se poderia ser melhor ou se podem
haver interações com outras terapias concomitantemente administradas.
Estudos clínicos,
com orçamentos vultuosos para os padrões brasileiros, já foram iniciados - e
devemos claramente aguardá-los para que isto traga uma luz sobre esta questão.
Inovações consistentes estão acontecendo numa velocidade incrível na Oncologia,
como a imunoterapia. Uma forma de permitir que a população possa ter um acesso
mais precoce a elas seria encarar a Pesquisa Clínica no país como um
investimento, com redução do prazo regulatório de aprovação dos estudos e
aumento do fomento financeiro público e privado a esta atividade, que
certamente permitirá que incluamos mais pacientes, além de satisfazer o afã
daqueles que anseiam por opções avançadas, sublimando a necessidade que
eventuais “curas miraculosas” continuem a trazer falsas esperanças àqueles que
já padecem de tal morbidade.
Dr. Evanius
Wiermann
é médico oncologista e chefe do serviço de oncologia do Hospital VITA,
em Curitiba.
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