terça-feira, 12 de abril de 2016

Solidão, uma epidemia



Por Aurélio Melo

O mundo vem sendo fabricado para que vivamos sozinhos. Nosso sonho de consumo é o de viver sem precisar uns dos outros. Para isso, o mundo produz mercadorias e serviços que prometem uma vida individualizada no ponto de vista prático.

No entanto, os problemas são de ordem coletiva, criando uma contradição. Vejamos um exemplo: o do trânsito. Muitos compram carros ou motos para driblar os ônibus lotados e os grandes congestionamentos. A indústria automobilística se adapta à demanda e os problemas só aumentam. E, quando aumentam, as pessoas buscam, ainda mais, as soluções individuais.

As redes sociais, os aplicativos de relacionamento amoroso, e muitas outras ferramentas tecnológicas permitem escolhas individuais e anônimas. No entanto, quanto mais amigos temos no Facebook, mais necessidade temos de mais amigos ainda. Porque esses amigos são “quantitativos”. Não diminuem nossa solidão. Ao contrário: aumentam.

Outro exemplo: uma nova configuração familiar está surgindo. A família de uma pessoa só. Há cada vez mais pessoas morando sozinhas por opção e convicção. São pessoas que não querem coabitar, mesmo tendo amigos ou parceiros amorosos. A solidão é uma decorrência psicológica da condição social (a de viver sozinho) típica da pós-modernidade.

No campo filosófico, enquanto Aristóteles defendia que o homem é um animal gregário, Hobbes acreditava que os homens se agrupavam apenas visando um interesse em comum. Isso quer dizer, se preferimos Hobbes à Aristóteles, que os homens pensam de modo individualista ou, no extremo, de modo egoísta, vendo na solidão uma opção que abarca ônus e bônus.

Também é importante destacar que vimos acompanhando a crescente tendência à intolerância como causa e efeito, simultâneos, da solidão.

Por fim, uma grande contradição que se apresenta quando se pensa na questão da solidão, é a de que, de um modo geral, na atualidade, desejamos a liberdade, a falta de compromissos (ou vínculos), mas não suportamos algumas de suas consequências. Umas delas: a solidão. 


Aurélio Melo 
 possui experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia do Desenvolvimento Humano. É professor e supervisor do curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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